domingo, 25 de fevereiro de 2018

O DINHEIRO E A MORAL NA VIDA HUMANA: uma reflexão da obra "O que o dinheiro não compra" em Michael Sandel


O DINHEIRO E A MORAL NA VIDA HUMANA
Por Sílvio Almirante[1]

Uma reflexão do livro “O que o Dinheiro não Compra: os limites morais do Mercado” de Michael Sandel (Nasceu em Minneapolis em 1953 e é um dos mais importantes filósofos de sua geração. Há cerca de duas décadas lecciona, na Univer­sidade de Harvard, o famoso curso Justice).
Michael J. Sandel é um filósofo norte-americano e professor da Universidade de Harvard, onde lecciona o curso de Justiça. É autor de vários livros, tais como, Justiça: o que é fazer a coisa certa, O que o dinheiro não compra: os limites morais do mercado, O Liberalismo e os limites da Justiça e entre outros livros.
O Mercado e a Moral
Para começar, recorremos as primeiras alegações de Sandel no livro What the Money can’t Buy, onde afirma que “há coisas que o dinheiro não compra, porém actualmente, não muitas”, pois hoje quase tudo está à venda. (Sandel, 2012; pág 9). Digam vocês se alguém aqui concorda ou não com Sandel?
Exemplos práticos, Sandel recorre o caso de:
*      Matrícula do seu filho numa Universidade de prestígio ou numa Escola de referência.
Embora o preço não seja divulgado, funcionários de certas Universidades de primeira linha aceitam alunos não brilhantes cujos pais sejam ricos e susceptíveis de fazer doações financeiras substanciais. Entretanto, e nós moçambicanos? Quantas vezes já vimos alunos a aprovarem de classe mesmo não tido se desempenhado durante o ano? Quantas vezes já foram “obrigados” a cooperar com o suborno pagando a mais o preço da matrícula para o nosso filho conseguir uma vaga na escola? Será que não estamos a alimentar a preguiça da nossa mente enchendo de que não há nada se consegue se dinheiro?  
*      Um bom atendimento médico, uma casa num bairro seguro.
*      Uma barriga de aluguer indiana: US$ 6.250. Os casais ocidentais em busca de uma mãe de aluguer recorrem cada vez mais a terceiros na Índia, onde a prática é legal e o preço corresponde a menos de um terço das taxas em vigor nos Estados Unidos. E entre outros exemplos.
De certa forma, no entender de Sandel parece que estamos caminhando para uma sociedade onde tudo está a venda. Mas por que ficar preocupado com o facto de estarmos caminhando para uma sociedade em que tudo está à venda?
Sandel raciocina da seguinte forma: o primeiro motivo te a ver com a desigualdade e o outro, com Corrupção. Isto porque, numa sociedade em que tudo está à venda, a vida fica mais difícil para os que dispõem de recursos modestos. Quanto mais o dinheiro pode comprar, mais importante é abundância (ou a sua falta) (Sandel, 2012. Pág 14). 
Entretanto, se a única vantagem da afluência fosse a capacidade de comprar iates, carros e ferias no exterior, as desigualdades de rende e riqueza não teriam grande importância. Mas, à medida que o dinheiro passa a comprar cada vez mais influência política, bom atendimento médico, uma casa num bairro seguro e não numa zona de alto índice de criminalidade, acesso a escolas de elite, e não as que apresentam maus resultados, a questão da distribuição de renda e de riqueza adquire importância muito maior. Quando todas as coisas boas podem ser compradas e vendidas, ter dinheiro passa a fazer toda a diferença do mundo (idem: pág. 14).  
O segundo motivo que Sandel não hesitou em abordar, pense embora é mais difícil de descrever está relacionado com a corrupção. O autor de Justiça, qual é a coisa certa a fazer, disse que não se trata de desigualdade e injustiça, mas da tendência corrosiva dos mercados. Eles podem ser corrompidos por essa prática de estabelecer preço para as coisas boas da vida. O leilão de bagas numa instituição de ensino pode aumentar sua renda, mas também corrói a integridade do estabelecimento e o valor de seu certificado.
Às vezes, os valores de mercado são responsáveis pelo descarte de princípios que, não vinculam aos mercados, devem ser respeitados. Assim, para decidir o que o dinheiro pode e não pode comprar, precisamos saber quais valores governarão as diferentes áreas da vida cívica e social, diz Sandel.
John Rawls[2] foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, autor do livro Uma Teoria da Justiça (1971), O Liberalismo Político (1993), O Direito dos Povos (1999), Justiça e Democracia e Justiça como Equidade. Na primeira obra Uma Teoria de Justiça, Rawls propõe uma nova concepção de ‘justiça’, cuja denominou de ‘justiça como equidade’. A ideia principal nesta obra é a de fazer entender de que “os princípios de justiça seriam aqueles que fossem objecto de concordância mútuo entre pessoas em condições equitativas” (RAWLS, 2003: 6).
Ao desenvolver a ideia de Liberalismo Político, Rawls foi levado a reformular sua exposição e defesa da teoria de justiça como equidade. Em Uma Teoria de Justiça, a justiça como equidade era parte de uma visão liberal abrangente, mas esta reformulação demonstra que essa teoria pode ser compreendida como uma forma de liberalismo político. Assim, fazendo, remodela os argumentos básicos a favor dos dois princípios de justiça que constituem o fundamento central de uma concepção de justiça como equidade.
Eis os dois princípios de justiça formulados por Rawls:
·      Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema semelhante de liberdades para todos;
·      As desigualdades sociais e económicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo consideradas vantajosas para todos, dentro dos limites da razoabilidade e vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (RAWLS, 2000: 64).
Entretanto, Rawls começa seu argumento segundo o qual como pode-se entender a justiça regida por princípios escolhidos por cidadãos livres e iguais numa posição inicial de equidade? Rawls raciocina da seguinte forma: suponhamos que estamos reunidos para definir os princípios que governarão nossa vida colectiva para elaborar um contrato social. Que princípios seleccionaríamos? Provavelmente teríamos dificuldades para chegar a um consenso. Pessoas diferentes têm princípios diferentes, que reflectem seus diversos interesses, crenças morais e religiosas e posições sociais. Algumas pessoas são ricas, outras são pobres; algumas têm poder e bons relacionamentos; outras, nem tanto. Acima de tudo, temos de chegar a um consenso. Porém, até mesmo o consenso reflectiria o maior poder de alguns sobre os outros demais. Portanto, não há motivos para acreditar que um contrato social elaborado dessa maneira seja um acordo justo (Rawls citado por Sandel, 2012: 177).
Outrossim, suponhamos ainda que, ao nos reunir para definir os princípios, não saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou género pertencemos e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens, se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de vantagem, os princípios escolhidos seriam justos (idem: 178).
No entanto, de acordo com Sandel, “quando decidimos que determinados bens podem ser comprados e vendidos, estamos decidindo, pelo menos indirectamente, que podem ser tratados como mercadorias, como instrumento de lucro e uso” (Sandel, 2012. Pág 15). Mas nem todos os bens podem ser avaliados dessa maneira e o exemplo mais óbvio, no entender de Sandel são os seres humanos.
Kant havia dito que os seres humanos não devem ser usados ou sacrificados como meio para a consecução de determinado algo, porque eles são um “fim” em si mesmo e não um meio (cf. Almirante, 2016). Por exemplo, as crianças, diz Sandel, não podem ser colocadas à venda no mercado, mesmo que os compradores não maltratassem as crianças compradas, mas a existência de um mercado de crianças estaria expressando e promovendo uma maneira errada de trata-las (Sandel. 2012. Pág.15). Por que não? Porque “consideramos que os deveres cívicos não devem ser encarados como propriedade privada, mas como uma responsabilidade pública. Vende-los significa trata-los de maneira errada”.
Esses exemplos ilustram uma questão mais ampla: algumas das boas coisas da vida são corrompidas ou degradas quando transformadas em mercadoria. Desse modo, para decidir em que circunstancias o mercado faz sentido e quais aquelas em que deveria ser mantido a distancia, temos de decidir que valor atribuir aos bens em questão, visto que, saúde, educação, vida familiar, natureza, arte, deveres cívicos e assim por diante, são questões de ordem moral e política e não apenas económicas.
Um debate sobre o limite moral do mercado nos permitiria decidir, como sociedade, em que circunstancias os mercados atendem ao bem público e quais aquelas em que eles são intrusos. Sandel desafia-nos de que caso alguém concorde que a compra e venda de certos bens os corrompem ou degradam, será forçosamente porque acredita que certas maneiras de lhes atribuir valor são mais adequadas do que outras. Então, não faria sentido falar da corrupção de determinada actividade, a criação de filhos, por exemplo, se não acreditarmos que certas maneiras de ser um pai ou um cidadão são melhores do que outras.
São avaliações morais dessa natureza que estão por trás das poucas limitações ao mercado que ainda podemos constatar. Acreditamos que vender essas coisas significa uma maneira errada de les atribuir valor, cultivando atitudes negativas.
*      Existem coisas que o dinheiro não deveria comprar? Em caso afirmativo, como decidir quais bens e actividades podem ser comprados e vendidos e quais não o podem? Ou seja, existem coisas que o dinheiro de facto não compra?
O que o dinheiro pode e não pode comprar
A maioria das pessoas diria que sim, existem essas coisas de acordo com Sandel. Veja-se por exemplo, a amizade. Suponhamos que você queira ter mais amigos. Por acaso tentaria comprar um amigo? Não parece provável. Bastando para tal, reflectir por um momento para dar-se conta que não iria funcionar. Pois um amigo pelo qual se pagou não é a mesma coisa que um amigo de verdade. Podemos contratar alguém para fazer certas coisas que os amigos costuma fazer, como por exemplo, cuidar dos nossos filhos quando necessário. Embora todos esses serviços possam ser comprados, não é possível realmente comprar um amigo.
Desculpas e discursos comprados
Se não é possível comprar amizade, que dizer das manifestações de amizade, das expressões de intimidade, afecto ou arrependimento?
Em 2001, o New York Times publicou reportagem sobre uma empresa chinesa que oferece um serviço incomum: se alguém precisar pedir desculpas a outra pessoa, um amante rejeitado ou um sócio em desavença e não conseguir faze-lo pessoalmente, pode contratar a “Tianjin Desculpas” para faze-lo em seu lugar. O lema da empresa é Pedimos desculpas por você. Segundo a reportagem, os profissionais dos pedidos de desculpas são:
Homens e mulheres de meia-idade com formação universitária e que usam roupas discretas. São advogados, assistentes sociais e professores com “excelência capacidade verbal” e boa experiência de vida e que, recebem um treinamento adicional de orientação psicológica (Sandel, 2012: 97).     
Sandel interroga-se de tal forma se a empresa vem obtendo êxito ou sequer se ainda existe. Em segundo lugar, pergunta “será que um pedido de desculpas comprado funciona”? Se alguém nos prejudicar ou ofender e em seguida contratar alguém para tentar consertar a situação, será que ficaríamos satisfeitos? 
No entanto, se nenhum pedido de desculpas comprado, por mais extravagante que seja, pode substituir um pedido pessoalmente feito, é porque as desculpas, tal como os amigos, são o tipo de coisas que o dinheiro não pode comprar (Sandel, 2012. Pág. 98).
Suponhamos ainda que, no dia do seu casamento o seu padrinho faça um discurso de brinde de derreter os corações, tão comovente que você fique com lágrimas nos olhos. Mais tarde, vem a saber que não foram palavras próprias, mas compradas pela internet. Você ficaria chateado? O discurso de brinde perderia o significado que tinha antes de você saber que foi escrito por um profissional? Sandel afirma que maioria das pessoas, provavelmente acharia que sim, que um discurso de brinde de casamento comprado tem menos valor do que um autentico.  
Em forma de desfecho, Sandel recomenda que nem tudo deve ser considerado mercadoria ou algo de lucro, de forma que os princípios morais sejam levados a sério, pois na verdade, tem coisas que o dinheiro não pode comprar e nem os mercados vender.
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Bibliografia
ALMIRANTE, Sílvio. O Significado do Liberalismo Político em John Rawls. Monografia Científica, Universidade Pedagógica, Nampula - Moçambique, 2016.   
RAWLS, John. Uma Teoria de Justiça. S. Paulo: Martins Fontes, 2000.
SANDEL, Michael. O que o Dinheiro não compra: os limites morais do Mercado. S. Paulo: Civilização Brasileira, 2012.




  






[1]  Técnico Superior em Administração Pública. Licenciado em Ensino de Filosofia. (http://lattes.cnpq.br/8351510536090972);
[2] Nasceu em Baltimore, a 21 de Fevereiro de 1921 e, morreu em Lexington, a 24 de Novembro de 2002.

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