Tema:
A Origem do Conhecimento
· Empirismo, Racionalismo,
Intelectualismo e Construtivismo
O Empirismo
Em
Teoria de Conhecimento, chama-se empirismo
a doutrina segundo a qual a “experiência é não só a fonte de conhecimento,
como também único critério de conhecimento válido” (SARAIVA, 1972: 211).
Segundo
Aranha (1993: 157) a palavra “empirismo” vem do grego empeíria, que significa “experiência”. O empirismo, ao contrário do
racionalismo, enfatiza o papel da experiência sensível no processo do
conhecimento.
Já
implícito em numerosos filósofos da Antiguidade (Jónios, Sofistas) para quem “a
sensação é a única fonte de conhecimento possível”, o empirismo surge na
História da Filosofia como doutrina no livro Ensaio sobre o Entendimento Humano do filósofo Inglês John Locke.
O Empirismo de John Locke (1632-1704)
Em
1690, Locke escreve o seu livro intitulado Ensaio
sobre Entendimento Humano no qual defende que “todas as ideias têm origem
na experiência sensível”. É a partir dos dados da experiência que, por
abstracção o intelecto produz ideias.
Segundo
Locke, as ideias provém de duas fontes: a
sensação e reflexão. A sensação “apreende impressões vindas do mundo
externo”. A reflexão “é o acto pelo qual o espirito conhece suas próprias operações”.
Ao entender de Locke, antes do contacto com a realidade, o espírito nasce como
uma “tábua rasa”, cuja vão se
inscrevendo os dados da experiência. Uma vez que, a experiência pode ser
interna e externa. Portanto, da sensação e reflexão provém as ideias.
No
entanto, estas ideias podem ser simples e
complexas. As ideias simples “são aquelas que se impõem à consciência na
experiência sensível e irredutíveis à análise.
Exemplo: branco, preto, quente, frio, duro, mole. As ideias complexas
resultam das simples comparação, associação e generalização.
“Penso
não haver mais dúvida que não há princípios práticos com os quais todos os
homens concordam e, portanto, nenhum é inato” (Idem: 154).
Segundo
Aranha (1993: 158) o que ocasiona a produção de uma ideia simples na mente é a
“qualidade” do objecto. Há qualidades primárias, como a solidez, a extensão, a
configuração, o movimento, o repouso e o número, e qualidades secundárias (cor,
som, odor, sabor etc.), que provocam no sujeito determinadas percepções
sensíveis. Enquanto as primárias são objectivas, pois realmente existem nas
coisas, as secundárias variam de sujeito para sujeito e, como tais, são
relativas e subjectivas.
O Empirismo de David Hume
(1711-1776)
Hume
filósofo Inglês da Escócia, leva mais adiante o empirismo de Locke. A sua obra
fundamental é Investigação acerca do
Entendimento Humano. No entanto, Hume admite com Locke que todo o
conhecimento provém da experiência sensível (empirismo). Porém, enquanto Locke
recorria para explicar ‘as ideias complexas’, derivadas das ‘simples’ a uma
certa actividade do espírito (comparação, associação e generalização), Hume
explica a formação das ‘ideias complexas’, “prescindido da actividade do
sujeito”, ou seja, apenas “pelas propriedades próprias ideias simples”.
Assim, Hume chega ao enunciado da Teoria Associativista, segundo a qual
“as ideias complexas resultam do agrupamento das simples pelas leis da
associação”. Hume desejando manter-se fiel ao principio empirista defende que
“nenhuma afirmação tem fundamento se não tem origem na sensação”, porém Hume
faz revisão do princípio de causalidade de Locke, segundo o qual: ‘o sujeito
não pode ser causa das suas próprias representações’. Assim, Locke admitia uma
‘causa-objecto’. Mas, para Hume a causa é apenas um fenómeno que procede outro fenómeno.
O
Fenomenismo afirma que o conhecimento
se resume em uma colecção de fenómenos, dado o conjunto ao sistema de Hume. Assim,
em termos gerais, o empirismo concebe a experiência como algo que preexiste ao
espírito, o qual, a espécie de ‘tábua rasa’, se limita a receber, mais ou
menos, passivamente, os dados que o mundo lhe oferece.
O Racionalismo
Na
Gnosiologia, dá-se o nome de racionalismo
ao conjunto de doutrinas que professam que “no acto de conhecimento
intervém duas ordens de elementos”: ‘elemento empírico, de base sensorial
(sensações e percepções) e elemento racional (ideias e princípios) de que
depende a interpretação da experiência (SARAIVA, 1972: 200).
Segundo
Aranha & Martins (2000: 88) afirma que o principal representante do
racionalismo no seculo XVII é o francês René Descartes, que a partir dos erros
e das ilusões dos sentidos, procurou o fundamento do verdadeiro conhecimento.
René
Descartes (1596-1650), cujo nome latino era Cartesius (daí seu pensamento ser
conhecido como “cartesiano”), é considerado o “pai da filosofia moderna”.
Dentre suas obras, o Discurso do método e
Meditações Metafísicas expressam a tendência de preocupação com o problema
do conhecimento (ARANHA, 1993: 154). O ponto de partida é a busca de uma
verdade primeira que não possa ser posta em dúvida. Por isso, converte a dúvida
em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações do senso comum, dos
argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência,
das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da
realidade de seu próprio corpo.
No
entanto, para encontrar a ‘certeza fundamental’ que servisse de base da à sua
filosofia, Descartes recorreu à “dúvida
metódica” a qual consiste “em rejeitar, como falso tudo aquilo em que possa
haver a menor dúvidas, e não seja, absolutamente evidente”. Ora, depois de
tornar ‘evidente’ a existência o sujeito pensante, cujo aplica as ideias (como
elementos de conhecimento), o mesmo critério de certeza. O que caracteriza a
relação “penso, logo existo” (cogito
ergo sum) é a ‘clareza e distinção’ com
que se impõem. Assim, Descartes estabelece a primeira verdade que não pode ser
colocada em dúvida: “se duvido, penso; se penso, logo existo”. Pois, este “eu”
cartesiano é puro pensamento, uma res
cogitans (um ser pensante), pois, no caminho da dúvida, a realidade do
corpo res extensa (coisa externa,
material) foi colocada em questão.
E havendo notado
que na locução: penso, logo existo, o
que dá a ‘certeza de dizer a verdade’, é ver ‘claramente’ que, para pensar é preciso existir; concluí que poderia
erigir regra geral que são verdadeiras todas
as ideias que concebemos muito claramente
e muito distintamente (DESCARTES apud
SARAIVA, 1972:208).
Situada
na clareza e distinção a regra suprema de ‘validade das ideias’, Descartes vai
determinar quais as ideias que tais características se verificam. Assim,
distingue as ideias em três espécies, que são:
· Ideias Adventícias: que
provem directamente dos sentidos. Exemplo: a ideia que se tem vulgarmente da
Lua.
· Ideias Factícias: são
elaboradas por nós com base nas primeiras.
· Ideias Inatas:
ou porque nasceram connosco, ou porque são produzidas por nós, sem intervenção
dos sentidos.
No
entanto, as três espécies de ideias não nos dão igual garantia de veracidade. Ao
passo que as ideias adventícias e
factícias, proveniente dos sentidos, estão sujeitos de erro e confusão;
enquanto as ideias inatas são
dependentes do exercício da inteligência, são por natureza claras e distintas. Com a
sua origem em Deus (visto que tudo o que está em nós vem dele), a sua clareza e
distinção são garantia da sua veracidade.
O Inatismo Virtual de
Leibniz
A
fórmula característica do empirismo é “nada
está fora do intelecto que primeiro não tenha passado nos sentidos”. Ao
qual Leibniz acrescentou: “a não ser o
próprio intelecto”. Por esta primazia conferida ao intelecto sobre os
sentidos, a gnosiologia de Leibniz define-se como uma forma de racionalismo.
Portanto,
Leibniz não nega o papel dos sentidos na aquisição do conhecimento, porém
acentua a necessidade de noção e princípios a
priori, como condição de inteligibilidade
das aquisições sensoriais.
Leibniz
distingue duas espécies de verdades: verdades
de razão e verdades de facto. As primeiras (necessárias e eternas) são “inatas”
e reguladas pelo princípio de identidade.
As segundas (contingentes) dependem da “experiência” e são reguladas pelo princípio de razão suficiente. É
importante frisar, no inatismo de Leibniz: é que as ideias (ou demais
conhecimento) postos que inatos, não existem perfeitamente conscientes ou
explicitas no nosso intelecto. Mas sim, existem como virtualidades ou disposições,
que se vão progressivamente consciencializando ao contacto da experiência. De
onde provém a designação de inatismo
virtual, pois é conhecida a gnosiologia de Leibniz distinta de Descartes,
que poderíamos designar de “inatismo actual”.
O
racionalismo e o empirismo do século XVII (Descartes, Locke e Hume) dão o substrato
filosófico dessa reflexão: Descartes justifica o poder da razão de perceber o
mundo através de ideias claras e distintas; Locke valoriza os sentidos e a
experiência na elaboração do conhecimento; Hume levanta o problema da
exterioridade das relações frente aos termos.
O Intelectualismo ou
Apriorismo de Kant
O
“Intelectualismo” define o “intelecto ou o entendimento” como o fundamento
principal ou o único do conhecimento e da acção humana (JAPIASSÚ &
MARCONDES, 2001: 105). Outrossim, define-se como doutrina que afirma a
superioridade das funções intelectuais, às quais conduzem todas as outras
formas e que privilegia o pensamento conceitual ou discursivo. Igualmente, o
Apriorismo ou intelectualismo é a doutrina segundo a qual a “realidade é de
natureza inteligível”, podendo apenas ser conhecida pela razão humana.
Immanuel
Kant (1724-1804) nasceu na cidade de Konisberga, Prússia. As principais obras
são: “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” e “Crítica do Juízo”. É
na Critica da Razão Pura que especialmente é estudado o problema da origem e
validade do conhecimento (SARAIVA, 1972: 218).
Influenciado
pela leitura de Hume e diante da questão “Qual é na origem e valor dos nossos
conhecimentos e o que é conhecimento”? Kant coloca a razão num tribunal para
julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento não
tem fundamento. Com isso pretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo.
Kant
entendeu que o conhecimento é uma complexa acção teórica de identificação
objectiva, mas confere ao sujeito uma iniciativa na elaboração do material do
conhecimento. Para empreender, Kant propõe o “método transcendental” (que nada
tem a ver com o “transcendente”), método analítico com o qual empreenderá a
decomposição e o exame das condições de conhecimento e dos fundamentos da
ciência e da experiência em geral.
Feita
a reflexão crítica, chega à conclusão de que há duas fontes de conhecimento: a sensibilidade, que nos dá os objectos, e
o entendimento, que pensa esses
objectos. Só pela conjugação das duas fontes é possível ter a experiência do
real (ARANHA & MARTINS, 2000: 91).
Segundo
Kant, afirma que “são os objectos que devem regular-se pelo nosso modo de
conhecer, enquanto o sujeito cognoscente tem formas (ou modos próprios) a
partir dos quais recebe os objectos” (Idem: 91).
As
formas ou conceitos a priori (anteriores
à experiência) são as condições universais
e necessárias para o aparecimento de qualquer coisa à percepção humana e
para que esse aparecimento se torne progressivamente mais inteligível ao
entendimento. Assim, as formas são constitutivas de toda nossa experiência do
mundo, de todo nosso conhecimento. Isso quer dizer que não somos “folhas em
branco” ou “tábua rasa”, sobre as quais os objectos deixam suas impressões, mas
como sujeitos do conhecimento, construímos, colaboramos com o nosso modo de
perceber e entender o mundo. Como consequência, só conhecemos os fenómenos (e
não o número dos fenómenos) enquanto se relacionam a nós, e não à realidade em
si, independentemente da relação do conhecimento.
As
formas a priori dividem-se em:
· Formas
a priori da sensibilidade externa e
interna: espaço e tempo;
· Formas
a priori do entendimento puro: formas
relacionais como causa e efeito, substância e atribuído.
O
conhecimento dos fenómenos externos ou internos, resultam da síntese de um elemento formal (espaço e
tempo) e de um elemento material
(sensação) (SARAIVA, 1972: 220).
A
experiência é uma unidade sintética, ou seja, não é só a combinação de matéria (aquilo que no fenómeno
corresponde sensação) e forma (aquilo
que faz com que a diversidade do fenómeno seja ordenada na intuição, através de
certas relações), mas também, da combinação das formas da intuição e do
entendimento e suas relações funcionais (ARANHA & MARTINS, 2000: 91).
O
conhecimento empírico, que resulta de uma “coordenação”, no espaço e tempo
(formas), dos dados sensíveis, também o conhecimento intelectual (cientifico)
‘resulta de uma síntese de categorias’ (formas) e de intuições fenoménicas
(matéria).
No
entanto, o conhecimento verdadeiro que reúne conhecimentos provenientes da
experiência sensível e da razão vem dos juízos que estabelecem ligação entre o
sujeito e o objecto. Este facto implica a distinção de dois juízos principais: juízos a priori que se fundam na razão,
e juízos a posteriori que se fundam
na experiência.
Todavia,
a diferença básica estabelecida por Kant foi entre “juízos analíticos e juízos
sintéticos”. Nos juízos analíticos,
a relação entre o sujeito e predicado é pensada por identidade e não
contradição. Exemplo: no juízo “Todo
solteiro não é casado”, (o predicado já está implícito no conceito do sujeito e
nega-lo tornaria o juízo contraditório). Os juízos analíticos são a priori não dependem da experiência.
Os
juízos sintéticos só podem exercer-se a partir da
experiência. Kant fala da existência de juízos
sintéticos a posteriori trata-se de juízos muito “particulares e
contingentes” que precisam de uma experiência particular. Esses juízos
sintéticos a posteriori são juízos
concertos, de uma realidade concreta, particular. Exemplo: o quadro é preto.
De
acordo com Kant, afirma que para se ter o conhecimento verdadeiro é preciso
outro tipo de juízo: juízos sintéticos a
priori que são universais, necessários e sintéticos dizem respeito à
possibilidade e estrutura geral. Exemplo:
“Tudo o que acontece tem sua causa”.
Segundo
Kant, afirma que a intuição não pode ser se não sensível, isto é, contém somente o modo como somos afectados pelos
objectos. Enquanto, o entendimento é
a faculdade de pensar o objecto da
intuição sensível. “Nenhuma dessas actividades deve ser preferida que à outra”.
Ou seja, sem a sensibilidade nenhum objecto nos seria dado, e sem, entendimento
nenhum seria pensado. No entanto, pensamentos sem conteúdos são vazios,
intuições sem conceitos são cegas. Estas duas capacidades não podem trocar suas
funções. O entendimento não pode intuir nada e os sentidos não podem pensar.
Portanto, o conhecimento resulta da reunião (REZENDE, 1986: 80).
O Construtivismo
Segundo
o Dicionário Básico de Japiassú & Marcondes (2001: 42) o Construtivismo genericamente
trata-se de uma Teoria do Conhecimento que se baseia numa concepção
essencialmente dialéctica das relações entre o “sujeito cognoscente” e o “objecto
conhecido” (mundo exterior), a Razão sendo ao mesmo tempo estruturante do real
e estruturada pelo sujeito.
Os
autores acima referidos afirma ainda, que o Construtivismo é nome dado à
corrente epistemológica inaugurada por Bachelard para designar que, no processo
de conhecimento, o objecto não á um “dado” que se apresenta ao pensamento
científico sem colocar problemas, como se fosse algo evidente, imediatamente
percebido pela experiência empírica ou por ela representado como protocolo de
uma constatação isenta de toda implicação teórica, mas um constructo; algo de
construído, isto é, um objecto pensado, elaborado em função de uma problemática
teórica que possibilita submeter a uma interrogação sistemática os aspectos do
real relacionamento pela questão que lhe é posta pelo sujeito. Neste sentido, construtivista
é toda teoria do conhecimento que não admite que o objecto “real” seja um mero
produto do pensamento ou que se manifeste apenas em sua totalidade concreta
(Idem: 42).
Assim,
o conhecimento é uma construção que cada sujeito faz, uma construção
subjectiva. Não se atinge a verdade absoluta (representação do real como ele
é), o organismo se adapta ao seu meio, depende do ambiente onde estiver
inserido o sujeito. E este orienta por sua vez, as suas acções e pensamentos
com base nas suas experiências (cf. GEQUE & BIRIATE, 2010: 102).
Ao
entender de Jean Piaget, existem dois momentos usados na aquisição do
conhecimento: assimilação e acomodação. Partindo destes, o individuo cria
estádio de equilibração mental pela
perturbação que havia sido criada pela impressão de um objecto não conhecido
antes. Portanto, o individuo assimila (incorpora) analisando o objecto a partir
da razão do próprio individuo. A acomodação será estabelecida a partir da nova
experiência, cuja não se enquadra nos esquemas de pensamentos postulados
anteriormente, dando origem um novo conhecimento, através da relação com o meio
do sujeito cognoscente.
Bibliografia
ARANHA, Lúcia de Arruda. Filosofando, Introdução à Filosofia. 2ª
Edição. São Paulo: Editora Moderna, 1993.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. &
MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de
Filosofia. Lisboa: Editora Moderna, 2000.
GEQUE, Eduardo. & BIRIATE, Manuel. Filosofia: pré-universitário 11 Classe. Maputo:
Longman, 2010.
JAPIASSÚ, Hilton. & MARCONDES,
Danilo. Dicionário Básico de Filosofia.
3ª Edição. R. Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
REZENDE, António. Curso de Filosofia: para professores e alunos dos cursos do ensino
médio. 15ª Edição. Rio: Zahar Editor, 1986.
SARAIVA,
Augusto. Filosofia: segundo os programas
do ensino Liceal. Lisboa, 1972.
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