Tema:
Problemas e Correntes Filosóficas da
Teoria do Conhecimento
Ø O Cepticismo e o Dogmatismo
Uma
das discussões em torno do problema do conhecimento diz respeito à
possibilidade ou não do espírito humano atingir a certeza. Distinguiremos
inicialmente duas tendências principais: o Cepticismo e o Dogmatismo.
O Cepticismo
O
termo cepticismo vem do sképsis, que significa “investigação”,
“procura”; o termo quer designar concretamente que “a sabedoria não consiste no
conhecimento da verdade, mas na sua procura”. Portanto, o cepticismo sustenta
que o homem não pode conhecer a verdade, mas somente procura-la, pois conhecer
a verdade compete à Deus; investigar ao homem (MONDIN, 2008: 125).
Segundo
o Vocabulário de Lalande citado por Saraiva (1972: 234) “o cepticismo é a
doutrina segundo a qual o espirito humano não pode atingir com certeza nenhuma
verdade de ordem geral e especulativa”. Na mesma linha de pensamento define-se
o cepticismo como “doutrina segundo a qual o espirito nada pode conhecer com certeza, e conclui pela suspensão do juízo e
pela dúvida permanente” (CUVILLIER apud SARAIVA, 1972: 234).
Os
principais expoentes do cepticismo são Pírron, Carnéades e Sexto Empírico.
Pírron
É
considerado geralmente como o fundador do movimento; viveu entre 360 e 270 a.
C. ensinou uma forma de cepticismo radical. Partindo do principio de que as
coisas são inatingíveis ao conhecimento humano, Pírron conclui que “para o
homem a única atitude cabível é a suspensão total do juízo, porque não se pode
afirmar de coisa alguma que seja verdadeira ou falsa, justa ou injusta”, assim
por diante (MONDIN, 2008 :
126).
Esta
suspensão do juízo leva a considerar todas as coisas como diferentes ao homem,
consequentemente, a não dar preferência a uma coisa em relação à outra. O
cepticismo radical ou pirronismo é a doutrina segundo a qual o homem não é capaz de conhecer qualquer verdade
certa, por falta de um critério que lhe
permita distinguir com segurança, o verdadeiro do falso. O cepticismo
radical se contradiz ao se afirmar, pois conclui que “toda certeza é impossível
e a verdade é inacessível” não deixa de ser uma certeza, e tem valor de verdade
(ARANHA, 1993: 44).
Carnéades
Carnéades
(214-129 a. C) tempera o cepticismo radical de Pírron, admitindo que para o
homem a possibilidade de conhecer o que é provável, apesar de não lhe reconhecer
o poder de atingir a verdade. Segundo Carnéades “o sábio é quem, mesmo sabendo
que a verdade é inatingível, não desiste de procurar assiduamente”.
Sexto
Empírico
Sexto
Empírico (seculo II d. C) dá ao cepticismo a exposição mais sistemática e
rigorosa. Por vários motivos julga que o único sistema filosófico possível é o
cepticismo. Os principais motivos são os dois seguintes:
Ø O
desacordo profundo entre os filósofos em relação a qualquer problema;
Ø Os
enganos dos sentidos: o conhecimento varia segundo as condições do sujeito
(circunstancias, saúde), segundo as condições do objecto (distancia, posição,
ambiente, massas corpóreas) e segundo as relações (frequência dos acontecimentos).
O
cepticismo não nega a posse da verdade,
mas o estado de certeza, ou seja, a
posse consciente da verdade. O céptico não põe em dúvida (como diz Descartes)
as nossas sensações. Para o cepticismo sensações, impressões e percepções são
verdadeiras enquanto tais, todavia, o erro começa a partir do momento em que a
esta sensação acrescentamos um juízo. Exemplo:
se eu digo “tenho frio”, enuncio uma realidade; mas se digo “está frio”,
introduzo um juízo que pretende ser objectivo, isto é, relativo a um objecto
exterior à minha sensação (SARAIVA, 1972: 234).
O
cepticismo não nega a possibilidade do conhecimento ao nível sensorial (de significado subjectivo). O
que nega é a validade objectiva do
conhecimento, ao nível do juízo.
Graus do Cepticismo
A subida do plano sensorial ao racional não
liberta o espirito do estado de incerteza, ainda que possa, segundo alguns
autores, aumentar as probabilidades de
um conhecimento verídico. Aqui se funda a distinção de dois graus no
cepticismo: radical (ou pirronismo) e
moderado (ou probabilístico).
O
cepticismo radical ou pirronismo defende que “nenhuma asserção é possível,
conforme Pírron, que não possa ser remetida em dúvida”. Tudo é duvidoso, nada é
certo. Pelo que, o verdadeiro sábio se
abstém de qualquer juízo.
O
cepticismo moderado ou probabilístico admite que sem podermos propriamente
atingir a certeza, podemos discernir graus de probabilidade.
O Dogmatismo
Dogmatíkós,
em grego, significa “que se funda em princípios” ou “relativo a uma doutrina”.
Dogmatismo é a doutrina segundo a qual o homem pode atingir a certeza.
Filosoficamente é a atitude que consiste em admitir que a razão humana tem a
possibilidade de conhecer a realidade (ARANHA, 1993: 59).
Ao
entender de Augusto Saraiva (1972: 232) “dogmatismo é a doutrina ou conjunto de
doutrinas que professam que o espirito humano pode atingir a verdade, com a certeza
de que a atingiu”.
Do
ponto de vista religioso, chamamos dogma a uma verdade fundamental e
indiscutível da doutrina. Na religião cristã, por exemplo, há o dogma da
Santíssima Trindade segundo o qual as três pessoas (Pai, Filho e Espírito
Santo) não são três deuses, mas um. Deus é uno e trino. Não importa se a razão
não consegue entender, já que é um princípio aceito pela fé e o seu fundamento
é a revelação divina.
Quando
transpomos a ideia de dogma para o campo não-religioso, ela passa a designar as
verdades não-questionadas e inquestionáveis. Só que, nesse caso, nau se estando
mais no domínio da fé religiosa, o dogmatismo torna-se prejudicial. já que o
homem, de posse de uma verdade, fixa-se nela e abdica de continuar a busca, O
mundo muda, os acontecimentos se sucedem e o homem dogmático permanece
petrificado nos conhecimentos dados de uma vez por todas. Disse Nietzsche que “convicções
são prisões”. Refractário ao diálogo, o homem dogmático teme o novo e não raro
se torna intransigente e prepotente. Quando resolve agir, o fanatismo é
inevitável, e com ele, a justificação da violência.
Além
dos significados comuns do conceito de dogmatismo, é preciso ressaltar outro,
denunciado por Kant na Crítica da razão pura. Como se propôs a fazer a
avaliação das reais condições dos limites da razão para conhecer, Kant chama de
dogmáticos todos os filósofos anteriores, inclusive Descartes., por não terem
colocado a questão da crítica do conhecer como discussão primeira. Ou seja,
aqueles filósofos “não acordaram do sono dogmático”, no sentido de ainda terem
uma confiança não-questionada no poder da razão em conhecer.
Dogmatismo Espontâneo
A
posição dogmática é a atitude natural do homem, uma vez que, (o homem olha para
a arvore e cré, naturalmente, na existência da arvore; olha para o Sol e cré,
sem qualquer reserva, na existência e movimento do sol). Depois generaliza e
aceita, como indubitável, tudo o que como indubitável lhe aparece. A esta comum
tendência para aderir a evidências
imediatas, a certeza aparentes (fundadas no testemunho dos sentidos) dá-se
o nome de dogmatismo espontâneo (SARAIVA,
1972: 232).
Pode-se
resumir o dogmatismo espontâneo como “a atitude do homem para quem aquilo que
parece, é; o dogmatismo espontâneo é livre
de dúvida” (Idem: 233). A incapacidade de duviudar é característica do
conhecimento na experiência.
Dogmatismo Crítico ou Racional
O dogmatismo crítico ou racional
caracteriza-se como a “disposição para sacrificar o que imediatamente parece,
ao objectivo de atingir o que verdadeiramente é” (Ibidem: 233). No entanto, eis
dois caminhos se oferecem ao homem: ou remeter-se a um estado de dúvida definitiva (dúvida céptica ou
sistemática), ou servir-se como meio de
alcançar a certeza (dúvida metódica).
Descartes
elaborou um método de análise conhecido como dúvida metódica. A dúvida metódica é o caminho pelo qual o
sujeito do conhecimento, analisando cada um de seus conhecimentos, conhece e
avalia as fontes e as causas de cada um, a forma e o conteúdo de cada um, a
falsidade e a verdade de cada um e encontra meios para livrar-se de tudo quanto
seja duvidoso perante o pensamento. Ao mesmo tempo, o pensamento oferece ao
espírito um conjunto de regras que deverão ser obedecidas para que um conhecimento
seja considerado verdadeiro. Atendemos a Meditação Segunda de Descartes:
Suponho que
todas coisas que vejo são falsas; persuado-me de que tudo quanto minha memoria cheia
de mentiras me apresenta jamais existiu; penso não possuir nenhum sentido;
creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas
ficções de meu espirito. O que poderá, então, ser considerado verdadeiro?
Talvez, coisa nenhuma a não ser que não há nada no mundo certo (DESCARTES, in:
Meditações Metafisicas, pág. 99).
Bibliografia
ARANHA, Lúcia de Arruda. Filosofando, Introdução à Filosofia. 2ª
Edição. São Paulo: Editora Moderna, 1993.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: Os Filósofos do Ocidente. 15ª Edição. S. Paulo: PAULUS, 2008.
SARAIVA,
Augusto. Filosofia: segundo os programas
do ensino Liceal. Lisboa, 1972.
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